sábado, 1 de novembro de 2008

Explorando o Spread da Yield Curve

A yield curve, ou curva dos rendimentos, é a curva que descreve as taxas dos títulos do Tesouro de acordo com os respectivos prazos de vencimentos. Como regra, se a curva é ascendente (steep yield curve), ou seja, se as taxas dos títulos de longo prazo forem superiores às de curto prazo, é um sinal positivo para a economia. Inversamente, se for descendente (inverted yield curve), ou seja, se as taxas dos títulos de longo prazo forem inferiores às de curto prazo, é um sinal negativo. É o que vamos demonstrar e explorar.


Fonte: Bloomberg (Figura 1)

A figura acima mostra a curva atual que se encontra steep (spread positivo), portanto uma sinalização positiva para a economia. E por que as coisas andam de mal a pior?

A curva de rendimentos mais informativa que eu encontrei nas minhas pesquisas foi o spread entre a taxa de 10 anos (T Bond de 10 anos) e a taxa básica (fed funds) overnight (prazo de 1 dia). Ela é descrita pela equação abaixo:

Spread YC = T 10 – FF

Muitos economistas usam a diferença entre a taxa de 10 anos e a de 2 anos, outros o spread entre a taxa de 10 anos e a de 3 meses (T Bill de 3 meses).

Em um artigo com o título de Headwind eu mostrei no gráfico n°1 a significativa correlação positiva entre a taxa anual de rendimentos do T Bond de 10 anos e a taxa nominal de crescimento do Pib nos EUA. Portanto, se a taxa de 10 anos (T 10) aumenta é plausível esperar um aumento na taxa nominal de crescimento do Pib, o que é positivo.

Por outro lado, o gráfico mensal abaixo revela a enorme correlação negativa entre a taxa anual de variação do MZM e o gradiente (variação) dos fed funds ou taxa básica estipulada pelo Comitê do Fed (Fomc).


Fonte: Fed / KB (Figura 2)

Sendo o MZM o volume das aplicações disponíveis imediatamente, cotadas a preços de mercado (market-to-market), ou seja, uma medida de liquidez e que atualmente é equivalente a 60% do Pib, o gráfico acima comprova que quando o Fed reduz a taxa de juros há um aumento do MZM, cuja conseqüência é o aumento da probabilidade de um consumo mais elevado.

Através da discussão acima eu mostrei que a taxa de juros dos T Bonds de 10 anos depende do que se espera do crescimento do Pib nominal. Portanto, em princípio, quanto maior a taxa melhor é a probabilidade da economia estar em um bom curso.

Por outro lado, o crescimento depende muito da disponibilidade do crédito, ou seja, do multiplicador bancário. Quando os bancos não se dispõem a emprestar o multiplicador cai, ou seja, a capacidade de criação de crédito se contrai, e esse fenômeno ocorre quando há empoçamento da liquidez bancária como vem ocorrendo recentemente.

Nesses casos um spread positivo da yield curve pode levar mais tempo para que a sua sinalização se materialize, como aconteceu no início da década de 90, tema que voltaremos mais adiante.

Foi mostrado, portanto, que o Fed tem uma influência limitada sobre a taxa de 10 anos, embora ele tente através da manipulação dos fed funds. Os economistas afirmam, com razão, que são os agentes econômicos que em última instância determinam o nível da taxa de 10 anos e não o Fed. Mas por outro lado, demonstrei que o Fed tem um quase perfeito controle sobre a liquidez imediata, que pode ser direcionada ao consumo se aumentada com uma redução dos fed funds (taxa básica), um aspecto positivo.

Quanto a taxa de 10 anos aumenta, supõe-se que haja uma boa expectativa em relação à economia, o que é positivo, e quando os fed funds são reduzidos, aumenta a liquidez disponível para o consumo, o que também é positivo. O resultado desses dois movimentos é a ampliação do spread da yield curve.

Está, portanto, demonstrado que se o spread entre a taxa de 10 anos e os fed funds se amplia, é um movimento muito positivo para a economia. Se invertemos as situações pode-se comprovar que se o spread se torna negativo é um mal sinal para a economia.

Muitos economistas explicam o aspecto positivo de um spread positivo da yield curve pela possibilidade dos bancos se capitalizarem, e portanto ficarem mais propensos a emprestar, pois nesse caso há um ganho dos bancos em tomar emprestado a taxas mais baratas no curto prazo e emprestar mais caro no longo prazo (spread positivo da yield curve), embora não seja uma operação sem risco devido ao descasamento (mismatching) de prazo entre a operação ativa (empréstimo) e a passiva (captação de funding). Não deixa de fazer sentido essa explicação, porém a minha me parece mais ter um sentido macroeconômico mais facilmente compreendido.

Há uma ressalva no meu raciocínio acima. Quando o spread da yield curve é positivo, porém devido ao aumento na expectativa inflacionária, é um dado muito negativo para a economia. Em geral nesse caso o Fed aumenta a taxa básica para combater a inflação e com isso o spread da yield curve cai.

No entanto, no período da hiperinflação no final da década de 70 e início da de 80 nos EUA o spread da yield curve abriu muito, devido quase que exclusivamente à inflação galopante. No entanto, mesmo nesse caso há o atenuante dos bancos poderem se capitalizar do mesmo jeito, pois não interessa aos bancos se a ampliação do spread foi ou não devida à inflação.


Fonte: Fed / KB (Figura 3)

O spread da yield curve é um leading indicator, em geral com elevado poder de antecipação. Dependo da variável com a qual se correlaciona o lead time pode atingir até quase 2 anos, como ocorre com a volatilidade implícita das opções do SPX.

O gráfico acima mostra na cor preta a taxa real de crescimento do Pib dos EUA, trimestre contra trimestre, e na cor vermelha a evolução do spread da yield curve (ajustado pelo critério adotado pelo Conference Board) adiantado em 4 trimestres.

Observa-se que a partir da globalização na década de 90 a correlação entre o Pib e a yield curve adiantada em 4 trimestres caiu bastante, sendo que até então as duas variáveis andavam quase que de mãos dadas. Desde então, a yield curve nos EUA se tornou um leading indicator mais qualitativo e menos útil para compor um indicador antecedente composto.

Por falta de dados confiáveis eu ainda não testei o spread de uma yield curve internacional, definido como sendo a diferença definida anteriormente, porém ponderada pelos Pibs dos principais países. Eu suspeito que calculado dessa maneira mais ampla ele possa apresentar uma sinalização mais eficiente do que o spread de uma yield curve doméstica.

Desde o início da década em curso eu presenciei dois momentos em que a vasta maioria dos economistas negaram a validade da sinalização da yield curve, quando ela se inverteu (o spread se tornou negativo) entre o 2° trimestre de 2000 e o 1° trimestre de 2001. Não deu outra, no final daquele ano foi declarada oficialmente uma recessão nos EUA, embora tenha sido bastante suave. Não me lembro de nenhum economista fazer o seu mea culpa.

No 3° trimestre de 2006 até o 4° trimestre de 2007 o spread novamente se tornou negativo e novamente um coro de economistas de peso, inclusive o competente Stephen Jen do Morgan Stanley, proclamaram que os tempos eram outros.

Dos que eu leio com frequência somente David Rosemberg da Merril Lynch, Paul L. Kasriel do Northern Trust e John Mauldin (consultor autônomo) divulgaram inúmeros alertas, porém encontram somente ouvidos moucos. Um economista que desprezou acintosamente a sinalização da inversão do spread da yield curve foi David Malpas do Bear Stearns, aquele primeiro banco de investimento a ir para o beleléu.

Recentemente o spread da yield curve voltou a se tornar positivo a partir do 1° trimestre de 2008 e se o lead time médio for mantido, a economia deveria estar começando a pegar no tranco a partir do 1° trimestre de 2009. Como o mercado de ações se anteciparia a uma reversão, um fundo no mercado de ações poderia se formar entre o final de novembro e o mês de dezembro, esse último mês historicamente o melhor para o mercado de ações, quer seja em um bull ou em um bear market.

No entanto, como ocorreu no início da década de 90, com a insolvência das agências de poupança, apesar do spread da yield curve ter sinalizado com muita antecedência uma virada na economia, a reversão levou mais tempo do que o usual devido à baixa propensão dos bancos em emprestar devido ao credit crunch. O quadro atual é até pior, portanto, é possível que o lead time se estique mais do que o normal.

De qualquer forma, convém ficar de olho em dezembro. O quadro abaixo mostra nos últimos 18 anos a freqüência de alta em cada mês nos mercados bull (cor azul) e bear (cor vermelha). As 2 últimas barras à direita, referentes ao mês de dezembro, mostram que, quer seja em um mercado bull ou bear a média da freqüência de alta no mês de dezembro (fechamento no mês comparado com o no mês anterior) foi em torno de 80%.

Há uma explicação para esse fenômeno sazonal que consiste, por questões específicas dos EUA, numa entrada de um volume expressivo de recursos no mercado no começo do ano e, como tem muita gente esperta, muitos antecipam as compras no 3° trimestre de modo a estarem preparados para vender por preços mais caros em janeiro.


Fonte: KB (figura 4)

Como o bear market em curso tem destruído muitos paradigmas não se recomenda fechar os olhos e mergulhar no mercado em dezembro. Por outro lado, convém abrir os olhos para essa possibilidade desde que se encontre diversos sinais de um fundo sólido, cuja evidência ainda é frágil.

Um detalhe interessante na figura 4, de amplo conhecimento pelos traders de longa quilometragem, é que em nenhum bear market nos últimos 18 anos, e o em curso não foi incluído na estatística (também apresentou perdas), pois o ano não foi encerrado, houve ganhos no mês de setembro.

Quer uma forma de bater consistentemente o mercado no longo prazo? Zere sempre a sua posição comprada no final de agosto e a reponha no início de outubro. O risco é implementar essa regra em bull markets muito fortes e, nesse caso, eu optaria por violá-la.

10 comentários:

Anônimo disse...

Prezado...

Tristemente, não tenho todo o seu conhecimento... contudo... aproveitando que vc abordou o assunto Treasuries...
A pergunta é... de acordo com a sua experiência... qual o nível de correlação entre os bonds de 10 anos e o DJIA...A correlação é positiva? A queda de um implica na queda do outro.??

Se puder esclarecer a dúvida desse mortal... desde já agradeço...

Fact Finder disse...

Se a história pós-crash de 29 servir de paradigma já vimos o fundo do ano corrente para o SPX et alli.

KB disse...

anônimo

Não há uma correlação estatística entre o DJIA (aliás eu prefiro olhar o SPX por ser mais amplo) e a taxa de 10 anos.

Há sim uma correlação, que não é linear (você consegue imaginar por que não é linear?) entre o DJIA, a taxa de 10 anos, o risco de default, a inflação projetada e os lucros projetados pelos analistas.

Há modelos de valuation nesse sentido e o meu vai nessa linha.

No entanto, esses modelos servem apenas para gerenciamento de risco, pois um mercado pode permanecer overvalued (ou undervalued) por alguns anos.

Se você não ficar comprado pelo menos parcialmente nos períodos de euforia você correrá o risco de ficar inerte durante anos. Porém, só de saber que o mercado é caro já é um grande passo, pois você nesse caso deixará de ser um investidor para ser um trader.

A postura de investidor é muito diferente da de um trader que se preocupa em evitar as fortes correções, emprega estopes e opera alavancado, enquanto que o investidor somente se preocupa em permanecer comprado quando o valuation justifica a posição e em geral não utiliza alavancagem.

KB disse...

Fact

Em 29 o fundo foi registrado em novembro/29 devido ao Mr Morgan e cia. Hoje em dia os bancos não conseguem nem segurar a própria peteca.

Inclusive assisti a um documentário onde o representante dos bancos entrou no pregão raspando tudo, cumprindo ordens de um pool de bancos, liderados pelo Morgan (quem mandava no país).

O mercado subiu, voltou a cair com menor volume, e subiu até abril de 1930.

O pior da história veio depois.

KB disse...

Fact

Me esqueci de comentar que eu
não aposto um vintém (moeda do início do século passado rsrs) na repetição de patterns passados, como você mesmo sabe.

Anônimo disse...

kb,

Então....quando a taxa do treasurie sobe... (sem considerar os demais elementos do modelo) isso pode indicar um mercado em que é possível a compra???? E uma eventual reversão... pode indicar venda???

Anônimo disse...

kb,

Então....quando a taxa do treasurie sobe... (sem considerar os demais elementos do modelo) isso pode indicar um mercado em que é possível a compra???? E uma eventual reversão... pode indicar venda???

KB disse...

anonimo

ceteris paribus, quando a taxa do treasury sobe é ruim para a bolsa, porque exige que as ações ofereçam um rendimento maior e isso somente é possível com preços menores.

Anônimo disse...

KB

É muito bom aprender...

O Bond 10Y subindo... considerando a expectativa de lucros (mercado)igual... não há como equilibrar a equação, exceto com a queda no preço do papel...

A retração do PIB menor do que o consenso... o índice de desemprego estabilizado... e a consequente "melhora" na expectativa poderia compensar uma taxa de BOND maior com uma interrupção na queda dos preços dos papéis? Ou isso é só uma pseudo-relação do pull back da semana passada???

Anônimo disse...

KB, ja ví que tem conhecimento na matéria. Gostaria que me explicasse como contruir a curva de rendimento, tendo em conta que um Estado emite várias OT´s com diferentes taxas e maturidades.