quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Dicas - Não Seja Você o Pato

O mercado é um bicho camaleão que para ser compreendido tem que ser interpretado sob diversos ângulos. No ato da observação esse animal fará de tudo para você duvidar do óbvio e, caso você não tenha um modelo vencedor e elevada dose de convicção, você fatalmente irá sucumbir às suas armadilhas.

A função do mercado consiste no aumento da eficiência na alocação dos recursos mas, para nós traders, sua função é nos triturar. O mercado é uma máquina trituradora de traders e o trágico é que ele é sempre alimentado por uma nova geração de perdedores. O percentual de sobreviventes nesse jogo é muito pequeno, e menor ainda os cujos resultados ficam bem acima do breakeven (empate).

Cada ângulo de observação do mercado revela uma matiz diferente que, para compor o todo, todas as matizes têm que ser levadas em conta. Eu analiso o mercado sempre através de 4 lentes: price action (preço, volume e grau de participação dos papéis na tendência), sentimento, valuation (precificação) e a relação do mercado em análise com outros mercados correlatos (intermarket relationship).

Os discípulos ortodoxos da AT (análise técnica) somente se interessam pelo price action e sentimento. Muitos se restrigem apenas ao price action e outros incorporam o sentimento. Os adeptos da análise fundamentalista (AF) desprezam a AT, se importam apenas com o valuation e as relações com outros mercados. Eu particularmente optei por observar todos esses ângulos e o meu método se tornou discricionário, ou seja, não é muito mecânico.

A parte ardilosa da minha abordagem, que já me traiu algumas vezes, é saber dar o devido peso a cada um dos fatores mencionados em cada momento do mercado. O diabo é que esses pesos variam e achá-los é uma arte. A experiência é uma forte aliada no aprendizado, mas leva-se muito tempo para que esse processo mental esteja amadurecido. Eu arriscaria a afirmar que a curva de aprendizado é inesgotável, pois o mercado dificilmente repete o seu comportamento, pois está sempre preparando uma surpresa, em geral desagradável. A lei de Murphy explica.

Um erro primordial, cometido insistentemente pelos estrategistas regiamente pagos pelos grandes bancos, reside em buscar no passado um momento histórico semelhante ao em curso e daí projetar o próximo movimento do mercado. O erro nessa abordagem consiste no fato de que a História nunca se repete integralmente. Você nunca encontrará dois momentos históricos exatamente iguais, sendo que “the devil is in the details”. Eu mesmo fui até há poucos anos atrás reincidente nesse tipo de erro e somente aprendi "the hard way".

O price action aumenta a sua importância à medida que se encurta o horizonte da avaliação e perde muito do seu valor nas tomadas de decisões de longo prazo. Sentimento é importante em todos os timeframes e no meu julgamento deve-se focar os weak hands, sem contudo desprezar as demais categorias. A relação entre os mercados correlatos é imprescindível no curto e médio prazo e o valuation se restringe ao longo prazo, servindo como excelente ferramenta para a gestão de risco.

Por que focar o sentimento entre o weak hands? Embora o comportamento e o ânimo dos grandes players devam ser monitorados, a razão para dar mais importância aos pequenos é que o seu comportamento é absolutamente previsível, características que não se vê nos grandes. O que adianta você acompanhar e ter memorizado os números do fluxo dos estrangeiros na Bovespa se você não sabe qual será o seu próximo passo? O do pequeno você sabe, seu padrão é agir em panic mode, na compra e na venda.

O componente emocional exerce um papel fundamental nas tomadas decisões de qualquer ser humano e no trading não é diferente. Antes eu relegava o sentimento ao segundo plano, no entanto, a experiência me mostrou que essa matiz do camaleão é tão importante quanto o price action e valuation, e não é raro fornecer muito mais pistas, com o detalhe de que a sua importância é válida tanto no médio quanto no longo prazo. Com o tempo me tornei um autêntico contrarian. Há momentos em que somente essa dimensão do mercado consegue explicar os seus movimentos.

Os adeptos da AT juram que o passado explica o futuro. Quando no meu início da atividade de trader eu usava exclusivamente essa ferramenta ela por diversas vezes evitou que eu fosse parar no acostamento, mas eu não tinha a menor idéia sobre o que vinha depois da primeira curva. Não é uma crítica aos adeptos da AT, talvez fosse falta de talento de minha parte. Por outro lado, os fundamentalistas (AF) ortodoxos são contraditórios ao afirmar que a AT é uma tremenda bobagem, pois eles também usam o passado para projetar o futuro, e sempre linearmente. Tendo optado pela AT e AF eu levo pancada dos dois lados, mas como eu sei que quem tem o poder de sanção é o mercado, eu não ligo muito para as críticas, só acho graça.

Ser contrarian não significa ir sempre contra o sentimento predominante entre os weak hands, porque na fase mais dinâmica de uma tendência até essa categoria de investidores acerta. A dimensão sentimento se torna relevante quando ela diverge do price action e das demais matizes. Quando esse momento é atingido basta ativar a contagem regressiva. Não existe momento mais bullish do que um mercado nos primórdios de um movimento de alta, deixando para trás um longo período de baixa, com os leading indicators macroeconômicos apontando para cima e os weak hands pessimistas. Esse quadro é um pré-requisito para o início dos bull markets duradouros.

Warren Edward Buffet jocosamente diz que se numa mesa de jogo você não sabe quem é o pato, o pato é você. Não existe um jogo sem um pato. No mercado de ações o papel do pato é exercido pelo retail investor, que é um sujeito que não sabe a razão de sua compra, mas a realiza porque não agüenta ver o vizinho contar vantagens e, conseqüentemente, não tem a menor idéia sobre quando é para vender. É o pato perfeito. Em geral o pato come formiga e caga elefante, quero dizer, é covarde nos lucros e valente nos prejuízos. Mas não pense que o pato é somente o pequeno. Outro dia o Bear Stearns se transformou em um gigantesco pato.

Antes de entrar no mercado de ações a primeira coisa, imprescindível, é saber quem é o pato e em seguida descobrir qual foi a sua ponta escolhida, se a compra ou a venda. Nas fases exuberantes até o pato tem uma chance no mercado, fase em que o rebanho é engrossado, mas como ele é sempre guloso e incauto, termina virando jantar. Em geral o pato somente compra, sendo que a venda somente é a ponta escolhida para a desova de uma posição comprada, raramente devido a uma decisão de short (venda a descoberto) porque essa é a ponta mais difícil de ser operada. Como eu afirmei anteriormente, o momento é em que os patos são preparados para serem assados é quando o sentimento predominante entre eles diverge dos leading indicators macroeconômicos e do price action.

No mercado de ações o pato invariavelmente é o pequeno investidor, mas em outros mercados os patos costumam ser gente grande. Pegue o mercado de açúcar por exemplo. Por alguma razão particular eu tive que me envolver nos últimos 3 anos com esse mercado e descobri que o pato nesse mercado, para a minha surpresa, são os usineiros. O comedor de patos são os large speculators. Os usineiros são os experts em plantar, colher, esmagar a cana e daí extrair o álcool ou o açúcar, porém na comercialização desses produtos são uns verdadeiros desastres. No auge da bolha no açúcar há 3 anos atrás, os responsáveis pela gigantesca Cosan foram grotescos em se proteger (fazer hedge) prematuramente, logo nos primórdios do bull market, e perderam toda a espetacular alta. Ninguém consegue comprar no fundo e vender no pico, mas a barbeiragem da Cosan foi ridícula. Uma simples análise sobre a evolução dos contratos em aberto no mercado futuro forneceu dicas valiosas que teriam evitado tamanho prejuízo aos acionistas. Bastava observar o comportamento dos large speculators, pois esses conhecem os ardis do mercado e os usineiros somente a anatomia da cana-de-açúcar.

No auge da euforia no mercado de ações, após o investment grade (IG), surgiam patos aos montes e o fomentador de patos era a grotesca e sempre imensa legião de analistas e jornalistas. No entanto, o sentimento de euforia entre os weak hands não combinava com o price action e com os global leading indicators. A seletividade no movimento de alta em nossa bolsa era assustadora, exclusivamente dependente das ações da Petrobrás, Vale e siderúrgicas. Esse grupo representava cerca de 40% a 45% do índice Bovespa.

Eu subdivido o índice Bovespa em 6 sub-setores e mantenho em cada um deles a mesma participação relativa da carteira oficial. Os sub-setores são o da Energia (onde a Petrobrás está incluída), Materiais (mineração e siderúrgicas), Elétrico, Telefonia, Bancos e Diversos. O setor Diversos inclui alimentação, bebidas, fumo, aviação, varejo, papel e celulose, e por ai vai. Na época do invesment grade, os setores de Energia, Materiais e Diversos eram de longe os mais importantes com pesos semelhantes na carteira do índice Bovespa. Os 2 primeiros setores romperam suas resistências históricas (equivalente aos 66 K no índice Bovespa) logo no dia do IG, mas os setores Diversos, Bancos e Telefonia não conseguiram fazer o mesmo e, na primeira correção do movimento de alta, esses 3 setores mergulharam. Foi o canto do cisne.

Portanto, tínhamos uma enorme divergência entre o price action, no caso a seletividade no movimento, e o sentimento predominante entre os retail investors. Para piorar o quadro, os patos estavam entrando no mercado em um ritmo aluscinante. O desfecho está sendo esse que estamos assistindo.

Vamos entrar no terreno prático e o melhor dessa minha estória está por vir. Como ganhar dinheiro com isso. A primeira pergunta que tem que ser respondida é quais os indicadores objetivos de sentimento servem para mensurar o sentimento entre os weak hands? Ao lidar com o mercado tem-se sempre que possível ficar longe de projeções e achismos e se concentrar em indicadores objetivos. É impossível antever o futuro, e para se dar bem no mercado tem que se acostumar a lidar com a incerteza e a solução é recorrer à probabilidade. Não há outra saída e quem buscar outro caminho vai dar com os burros nágua.

Vou comentar a respeito de um dos mais eficientes indicadores de sentimento, qual o horizonte de análise que ele se presta, e revelar alguns detalhes que eu nunca li alhures, sub-produto de minhas pesquisas realizadas no desenvolvimento de leading indicators macroeconômicos, área que venho me dedicando nos últimos 4 anos. Muitos componentes dos meus composite leading indicators foram encontrados em outros mercados e é ai onde as informações colhidas da análise da intermarket relationship são de capital importância.

Tem muita gente entalada com posições mal compradas. No capítulo seguinte dessa nossa conversa, com o emprego dessa dimensão do mercado, o sentimento predominante, vou sugerir uma estratégia ousada para os patos que caíram na armadilha e tentar, não sem riscos, porém aceitáveis, encontrar uma saída para eles. Porém, caro leitor, como o texto ficou muito longo, para não cansá-lo e eu ter um pouco de fôlego, deixemos para continuar essa nova conversa no próximo texto.

4 comentários:

Anônimo disse...

KB,
obrigado pela recepção.
Domingo devo ir ao Mineirão contra os "porco".
Estarei sempre por aqui dando uma lida nos ricos comentários dos participantes.
Abraço,
Carlos Magno

Anônimo disse...

Neste momento do mercado, é quase automático lembrar o Livermore:

"Mas no caminho de baixa eu poderia alcançar aqueles compradores que sempre discutem que uma ação é barata quando é vendida a quinze ou vinte pontos abaixo do preço máximo do movimento, particularmente quando este preço é assunto de uma história recente. Uma recuperação é esperada, em sua opinião. Depois de ver a Consolidated Stove ser vendida perto de 44, certamente parecia uma boa coisa abaixo dos 30."
Carlos Magno

Anônimo disse...

KB, eis aqui um Pato velho perdido e sentado no centro de um canavial, ao redor plantas de caule longo e denso tampando a visão, folhas laminadas e serrilhadas a cortar as penas próximo ao pescoço. Este Pato Pateta, infantil no trato com mercado de ações, aguarda ansioso próximo capitulo de seus comentários e sugestões, talvez, quem sabe, encontro saída para as muitas ações da Cosan compradas a R$ 35,00, por favor, não ria, meu humor esta péssimo.

Samuel Ramos disse...

grande post, e não pelo tamanho

só me permita um comentário sobre o bear sterns:

os patos de verdade foram os acionistas, a diretoria vendeu um imenso saldo de papéis (insider trading) em 2007

além disso, posições gigantescas de puts, cuidadosamente posicionadas 50 dolares itm, foram abertas poucas semanas antes do shotgun marriage com o jp morgan ser referendado pela dupla paulson/bernanke

como se vê, a banca dificilmente perde. já os patos...

sds!