sexta-feira, 17 de outubro de 2008

A Culpa é do Grão de Areia

Imagine a experiência de construir um monte de areia com o cume no formato de um cone, implementada através de sucessivas pilhas despejadas lentamente de modo a manter a sua estabilidade. À medida que se aumenta o volume de areia despejado no cume o ponto de instabilidade do sistema será inevitavelmente atingido devido a um grão de areia a mais.

Teria então sido esse grão a razão pela qual o cume foi desmanchado? Óbvio que a causa primária foi o excesso causado por milhões de grãos despejados antes do ponto de desequilíbrio ter sido atingido e o grão de areia a mais o fator que deu início ao desmanche do cume.

Tenho lido reiteradamente colunistas de jornais regiamente pagos, inclusive acadêmicos laureados, um deles recentemente por um prêmio cobiçado, afirmarem com ar de sabedoria que a causa do risco sistêmico foi a quebra do banco Lehman Brothers.

Quem afirma esse tipo de bobagem ainda não entendeu nada, aliás postura que tem sido a regra entre os comentaristas. O desaparecimento do Lehman Brothers foi apenas o grão de areia a mais que desestabilizou o sistema financeiro. Não fosse o LB teria sido outro o fator e se o processo de deleverage (redução do endividamento) fosse adiado o desenlace seria ainda pior.

Observe o gráfico abaixo que mostra a evolução da soma das dívidas das famílias, corporações e do governo dos EUA em relação ao Pib daquele país, desde a década de 20 do século passado até os tempos atuais.


Fonte: Fed (clique na figura para ampliá-la)

Pelo gráfico acima a relação Dívida Total / Pib atingiu em 1929 um pico de 260% do Pib (o número que eu tinha de memória era 290% e que consta de um texto anterior nesse blog). Esse percentual foi ultrapassado no final da década de 90, a partir de quando o relógio da bomba foi ativado, tendo atingido recentemente 355% do Pib.

No começo da década de 50 do século passado a relação caiu para 130%. Permaneceu bem comportada até começar a subir em parabólica a partir dos anos dourados de Reagan. A ascensão da relação foi interrompida brevemente pela recessão no início da década de 90 e, uma vez superada, voltou novamente a se acelerar até atingir o ponto de ruptura em 2008.

Ingressamos no processo de deleverage que será lento e não tem mais volta. Foram necessários anos a partir de 1929 para que a relação voltasse a um patamar que se distanciasse do ponto de desequilíbrio e não será diferente agora.

Uma das grandes diferenças entre a situação atual e a de 29, entre muitas, é o remédio empregado para o deleverage. Em 29 foi feito na marra com deflação, e como conseqüência, o Pib dos EUA caiu pela metade em 2 a 3 anos, uma depressão que ficou apenas na memória dos que aprenderam com a história.

A solução escolhida pelos políticos atuais foi o Estado engolir toda a meleca criada pelo mercado. Imagine uma sucuri engolindo simultaneamente alguns bezerros. A digestão levará muito tempo.

Eu já mencionei nesse espaço que, por serem um dos maiores players, os Tesouros-sucuri se livrarão das pesadas dívidas assumidas, antes em mãos privadas, simplesmente deixando a inflação galgar um patamar bem acima dos níveis atuais. Com isso, as dívidas assumidas terão os seus valores em termos reais corroídos ao longo do tempo. Quer solução política mais óbvia e fácil do que essa? Afinal, irão se ferrar somente os mais fracos, que não podem ou não conseguem se proteger da inflação, e aqueles que pela ignorância não entenderem o processo em que nos metemos.

Se por ora o mercado precifica uma forte redução da inflação nos próximos meses, conforme já mostrado nesse espaço, a razão por trás dessa expectativa é a intensificação da recessão que reduzirá o poder das empresas de repassar os custos. Uma vez que a economia começe a pegar no tranco, a inflação irá explodir e, apesar dos discursos em contrário das autoridades monetárias, será do interesse dos Tesouros-sucuri que o dragão da inflação não morra até que os bezerros sejam totalmente digeridos.

Já mencionei dias atrás que a inflação é a exterminadora dos Múltiplos. No período da hiperinflação nos EUA o Múltiplo chegou a atingir 7 vezes, sendo que atualmente se encontra em torno de 18 vezes. Já imaginou o estrago, mesmo que a inflação não atinja os percentuais obscenos da década de 70 e 80?

Para não assustar tanto assim o leitor, convém lembrar que o pico atingido pelo Cpi (o Ipca nos EUA) foi em torno de 25% aa no começo da década de 80. Não trabalho com essa hipótese e, portanto, um Múltiplo de 7 vezes não me parece uma projeção razoável, tendo sido mencionado apenas como ilustração do poder do estrago da inflação sobre os preços das ações.

4 comentários:

Anônimo disse...

Gráfico interessantíssimo KB.

E, curiosamente, enquanto dava uma lida por aqui antes de desligar o boteco, minha mulher, na sala diz:

- Tão falando da bolsa, vem ver! Tão dizendo que tá barato e que quem entrar agora vai se dar bem. Vem ver amor!

Tempos atrás foi o Soros que propalou que havia comprado muuuita Petrobrás.

Agora o Buffet dizendo que tá comprando também.

Xiii ... acho que em pouco tempo o low de 2002 vai ficar na história.

Anônimo disse...

Péra aí! Começou a subir em parabólica nos anos dourados da era Reagan?

Em qual era o padrão de reservas em ouro foi abolido no US$?

Pois é ...

Já sei o que vou fazer para ganhar dinheiro nos próximos tempos: vou montar uma fábrica de tinta.

E vou produzir ... tinta verde!

Hahaha

KB disse...

E vc atendeu ao chamado do seu amor? :))))

Anônimo disse...

ÔÔÔÔ ... claro que sim!

Já disse: pareço besta, mas não sou não, pelo menos não totalmente, hahaha.