Quem me conhece sabe que eu esperava há muito tempo pela bomba atômica do
deleverage e suas nefastas conseqüências. Sempre soube que quando a
tsunami atingisse a minha praia ela aniquilaria uma parcela considerável dos investidores e dos indivíduos comuns, pois ela não se limitaria às fronteiras do mercado. A minha sensação é que poucos se deram conta do poder de devastação dessa onda e que muitos, na crença de que os governantes têm o antídoto perfeito, ainda estão subestimando a sua força.
Assisti horrorizado na virada do século o total das dívidas das famílias, agentes privados e públicos, em relação ao Pib dos EUA, superar o percentual atingido em 1929. Porém, eu não sabia quando a escalada do aumento das dívidas atingiria finalmente um fim. Sendo avesso ao risco, eu confesso que os últimos anos não foram fáceis para mim. Tendo que garantir o leite das crianças, eu não tinha como evitar o lado da compra e não foi fácil enfrentar essa parada, quase sempre com uma só bala na agulha.
Eu sempre fui tomado pela indignação quando assistia às entrevistas levianas dos
permabulls (
bulls permanentes), a quem eu julgava cínicos, por se tratar de dinheiro de terceiros, ou despreparados. Após finalmente me conscientizar de que essa postura só prejudicava a mim, eu fui forçado, por uma questão de sobrevivência, a realizar um longo trabalho mental para aceitar a realidade que se apresentava.
Eu não sei o que determina o limite que cada pessoa suporta em termos de riscos financeiros, mas eu tenho a plena convicção de que a maioria o ultrapassa por pura ignorância. Eu sei que o meu não é muito elástico, o meu instituto de sobrevivência é aguçado e somente quando eu vejo o goleiro batido e o gol escancarado é que eu bato no peito e viro um Tarzan. Embora esses momentos sejam raros, foram eles que garantiram a minha sobrevivência até então.
Uma hora eu vou ter que enfrentar esse
bear market que parece não ter fim, pois novamente estou diante da situação de ter que garantir o leite das crianças. O
short side eu já abandonei há algum tempo por pura disciplina espartana, e não tem faltado tentação. Então no momento me sobrou o
long side, o da compra.
Felizmente, tendo me preparado para enfrentar esse
black swan (que não é tão
black assim, pois era esperado por muitos) eu posso me dar ao luxo de não me açodar. E é o que estou fazendo, exercitando toda a minha paciência, mas por outro lado armado de
trocentos termômetros para medir a força desse
bear market e tentar descobrir quando ele dará uma folguinha.
Nem as recentes investidas no mercado de ações e os apelos patrióticos grotescos (ingênuos nunca) de
Warren Buffett, com um discurso irresistível à
naivité do caipira norte-americano, abalaram a minha postura gélida em relação ao mercado.
Desde o dia do anúncio, feito após o pregão de 23 de setembro, de que
Warren Buffett injetou US$ 5 bilhões em ações preferenciais no banco
Goldman Sachs, as ações ordinárias caíram 56%. Sendo um
value investor que somente foca o valor das ações e despreza o
timing, ele se pode dar ao luxo de deixar na mesa mais de U$ 2,5 bilhões de perdas em uma única tacada. Nós mortais estaríamos fritos.
Faltando uma hora para o pregão terminar ontem em NY, o SPX empreendeu o esperado rompimento da região de congestão que já durava cerca de 40 dias, tendo deixado órfãos todos os investidores e especuladores que compraram nesse período. Caso nessa quinta-feira o SPX
não retorne para dentro do caixote e aceite o rompimento de sua parte inferior, estaria confirmado tecnicamente o
breakout que eu contava somente para a semana que vem.
No entanto, a musculatura do
bear já não é a mesma. Em 9 de outubro, quando pela 1ª vez o SPX visitou o nível dos 850 pontos, 90,6% dos 500 papéis registraram novas mínimas em relação aos últimos 20 pregões (1 mês) e 85,4% em relação aos 60 pregões anteriores (3 meses). No fechamento de ontem esses percentuais eram, respectivamente, 60,8% e 56%. Portanto, há sinais de alguma seletividade nessa fase de baixa, porém a prudência recomenda aguardar mais uns dias para ver se esse quadro se mantém. Além disso,
breakout foi feito com volume igual à sua média nos últimos 3 meses, portanto, nada espetacular.
O gráfico diário abaixo, que cobre o período desde março de 2008, mostra na parte superior o volume financeiro e normalizado exclusivamente da carteira do SPX e no corpo do gráfico o
R H-L 20 dias na cor violeta, além dos Dias Notáveis (
DCA, DCB e DD). Lembrando, os
DCAs são identificados pelas setas verdes ascendentes.
O R H-L 20 dias é um indicador pontual (que não depende de média móvel para a sua construção) que mostra, em percentual, o ponto em que na média os preços dos papéis de uma carteira se encontram dentro do intervalo compreendido entre as respectivas máximas e mínimas nos últimos 20 pregões.
Fonte: KB – figura 1 (clique na imagem para ampliá-la)
Em 9 de outubro os papéis se encontravam em média em 0,8% entre o melhor e o pior fechamento nos 20 pregões anteriores e ontem esse percentual era de 12,2%, portanto, uma divergência positiva. A ressalva que eu faria, pela minha experiência, é que quando um indicador atinge um extremo raro é prudente aguardar pelo menos uma dupla divergência antes de tirar conclusões mais contundentes.
O quadro abaixo ilustra quais os setores que acompanharam o SPX no
breakout, identificados pela letra
S de “sim”, e as respectivas participações em ordem decrescente de importância na composição da carteira. No
breakout em setembro 100% dos setores acompanharam o SPX, porém no momento, em termos de valor de mercado, somente 67,6%. É, portanto, mais uma métrica que revela a seletividade do movimento de baixa que pode estar se iniciando, um sinal de fraqueza do
bear.
Fonte: KB – figura 2
Os
weak hands que operam com opções finalmente sucumbiram ao pessimismo e, entre 0 (extremo otimismo) a 10 (extremo pessimismo), a nota que revela o sentimento atual entre os integrantes dessa categoria de especuladores pela 1ª vez atingiu o nível 9,3, somente superada em março quanto atingiu 9,6. Naquela oportunidade o
bear tirou uma soneca durante 2 meses, embora os
bulls não tiveram muita força para levantar o SPX.
Entrou chegou a hora da compra? Devagar com o andor que o santo é de barro. Ontem foi divulgado mais um importante
leading indicator do mercado imobiliário,
Housing Starts, que confirmou o
Housing Market Index e que registrou, pasmem, o pior nível de toda a sua história que começou em janeiro de 1959. Na semana passada o
ECRI revelou que o seu
Weekly Leading Indicator registrou a mínima nas últimas 6 décadas.
Não bastasse isso, a taxa média dos títulos de alto risco, os
junk bonds ou
high yields, não tem dado folga e voltou ontem a registrar o pior desempenho no
bear market, conforme venho alertando há algum tempo.
Na edição
online do
Financial Times foi veiculado hoje o artigo onde consta: “
Average yields on US junk bonds have topped 20 per cent for the first time amid rising concerns about a protracted recession and a wave of corporate defaults.”
“
Pela primeira vez a taxa média dos títulos de crédito norte-americanos de alto risco ultrapassou o percentual de 20% aa em meio às preocupações em relação a uma prolongada recessão e a uma onda de inadimplências”. (tradução)
Outro fator de preocupação foi o rompimento da base do caixote, onde se situavam 2 DCAs mostrados na figura 1, uma mensagem agourenta que recomenda cautela e paciência, pois apesar do volume
apenas normal ontem no
breakout, há o risco de surgir uma onda enorme de estopes institucionais que jogariam na lata de lixo todas as divergências positivas mencionadas acima, relacionadas à seletividade observada pelo mesmo no início do rompimento.
Também chama a minha atenção, a volatilidade implícita no nível de 74,26% aa que não está, diante da gravidade da situação, suficientemente distante do valor justo de 52,6% aa pelo meu modelo.
Last but not least, o importante e cíclico setor de tecnologia registrou ontem nova mínima, embora com volume médio, e o problemático setor bancário acompanhou o SPX no
breakout.
Não existe economia com tração sem que as ações do setor bancário encontrem um piso no movimento de baixa. Não é à toa que em todas as fases finais dos
bear markets existentes no passado, as ações dos bancos apresentaram desempenhos relativos superiores aos das ações dos demais setores. Nem de longe tem sido o caso atual.
Resumindo toda essa narração fastidiosa, cautela e caldo de galinha continuam sendo a melhor receita por ora, pois em
bear markets as surpresas acontecem com mais frequência no
downside. Por outro lado, já não julgo razoável se aliar aos
permabears sob pena de perder a chance de aproveitar um cochilo de um urso que já não tem, aparentemente, o mesmo apetite.
Neutralidade será, pelo menos de minha parte, a postura que eu irei doravante adotar após um longo período abraçado ao urso.