Texto preparado por Carlos M., leitor desse blog e atuante no setor elétrico.
O tema é sobre o setor elétrico e uma visão mais da geração. Serão abordados aspectos que são relevantes, inclusive para subsidiar no sentido de saber que parâmetros acompanhar para poder avaliar os riscos de racionamento.
Na época do racionamento do Brasil, os EUA passavam também por problemas no setor. Lá, pelo que me lembro, era muito vinculado a problema de potência (restrição de transmissão).
Aqui no Brasil tínhamos também esse problema. Vertia no Sul (que não teve problemas de racionamento), por que faltaram investimentos para transmitir a energia gerada no Sul para o Sudeste. Somando-se a essa restrição, a falta de investimentos em geração, um período de chuvas abaixo das médias históricas e a expansão da carga, o que se presenciou foi às grandes caixas d’água do setor restaram ficar em condições de girar as turbinas com lama ao invés de água.
Reservatórios importantes como Furnas, Emborcação, Três Marias, Itumbiara, estavam com armazenamento próximo a 10%.
Assim, não era o caso de se complementar o já carimbado e famoso sistema de transmissão Sul/Sudeste. Era problema de água (energia). Investimento no setor não se faz da noite para o dia. São Pedro não compareceu. As usinas térmicas a gás estavam no papel, de forma que a complementação térmica estava no limite.
Um quadro da situação no Sudeste do nível de água nos reservatórios, em fins de setembro de 2001:
Fonte: Carlos M. (clique na figura para ampliá-la)
E a situação atual?
O quadro anterior dá uma dica para monitorar a oferta de energia. O nível de armazenamento dos reservatórios. O sítio do ONS (Operador Nacional do Sistema) disponibiliza entre várias informações sobre armazenamento dos reservatórios, carga (demanda) e geração por tipo de usina.
A importância para esse indicador se deve à predominância hidráulica do parque gerador brasileiro. A tabela abaixo mostra a energia assegurada das usinas brasileiras, por tipo de geração. Energia assegurada está em MW médio, uma unidade de medida utilizada no setor:
Fonte: Carlos M. (clique na figura para ampliá-la)
Multiplicando-se a energia assegurada pelo número de horas (pode ser diário, mensal, anual, etc), temos qual a capacidade de energia a ser gerada pelas usinas, no intervalo de tempo escolhido, em MWh (1 MWh = 1000 kWh). É preciso ser acrescentado que no caso de usina hidrelétrica, a geração pode ser superior ou inferior ao seu MW médio assegurada (chamado também de placa da usina). O cálculo deste valor de placa depende do nível de armazenamento em níveis históricos, das bacias.
Bem como se vê no quadro, a geração de procedência hidráulica representa 84% da geração total, em energia assegurada.
A energia hidráulica provém das seguintes regiões (Sudeste e Centro-Oeste somados):
Fonte: Carlos M. (clique na figura para ampliá-la)
As tabelas a seguir, apresentam o armazenamento médio de cada região, nos meses de abril e novembro. Exceto pelo sul, cujo ciclo é inverso, mas com mais variabilidade, em quase todos os anos, o armazenamento é máximo em abril e mínimo em novembro. Para 2008, o dado se refere ao dia 14 de outubro:
Fonte: Carlos M. (clique na figura para ampliá-la)
Nota-se que em novembro de 2000, com exceção do Sul, os reservatórios estavam em níveis extremamente baixos, mas as autoridades preferiram apostar em São Pedro, que não compareceu. Em abril de 2001, os reservatórios do SE e NE encontravam-se pouco acima de 30% de armazenamento. Um nível de segurança para o final de abril, é um armazenamento acima de 65%.
Nos anos seguintes, a redução da carga em função do racionamento e a contribuição de São Pedro (num Seminário do Rio, numa palestra do Pinguelli, recém saído da Eletrobras, lembro de ele ter dito: “Descobri que não apenas DEUS é brasileiro, mas que São Pedro é petista”.
O quadro abaixo mostra que a carga (demanda), em MW médio, caiu quase 10% com o racionamento e somente em 2003, recuperou o nível de consumo de 2000:
Fonte: Carlos M. (clique na figura para ampliá-la)
O contexto em que foi dito isso foi que, apesar das enormes críticas que os petistas fizeram ao governo FHC pela incompetência na gestão no setor e que levou ao racionamento, por um lado e de outro as novas regras implantadas no governo Lula, poucos projetos expressivos foram executados e para complicar, houve o problema na oferta do gás. Para se gerar térmica a gás para atender o setor elétrico, tem de cortar os clientes que contratam gás para seus processos. Veste um santo, despindo outro.
Apesar do enorme nível de armazenamento que vem sendo obtido nos últimos anos em abril, não podemos dizer que a situação está confortável. Dois anos ruins de chuva, como ocorreu nos final do século passado, podem trazer a possibilidade de novos transtornos, ou até mesmo racionamento. Talvez uma menor expansão econômica em 2009, amenize isso.
Para não ficar contido apenas no armazenamento para nos balizar da situação, outro indicador importante vem pelo PLD – Preço da Liquidação das Diferenças.
O processo de cálculo passa por modelos sofisticados, mas para não entrar nessa complexidade, vamos entender a seguinte lógica:
PLD tenderá para cima em cenários de risco de não-atendimento da carga, que são resultantes de crescimento da carga acima do crescimento da oferta, deterioração do nível de armazenamento dos reservatórios (que pode ser em função do crescimento da carga e de níveis de chuva inadequados para recompô-los), falta de alternativas de substituição térmica (ter usinas a gás, sem ter gás, por exemplo).
PLD tenderá para baixo, com oferta crescendo acima da carga, grandes níveis de chuva no período úmido replecionando (enchendo) bastante os reservatórios.
Essa regra é importante, pelo fato de a energia hidráulica ser predominante para o atendimento da carga.
E a lógica do despacho passa por ela. Se o PLD chega a um valor maior que o custo de uma térmica (preço do gás, carvão ou óleo para gerar energia), preserva-se o reservatório e despacha-se a térmica. No início deste ano (as chuvas se atrasaram) o PLD tendeu ao máximo. Ao lado do problema de menor nível de reservatórios, se juntou o problema de restrição de gás, para despachar algumas térmicas. Então entrou outra variável, pois se São Pedro não manda chuva e o Evo não manda o gás, as térmicas ficam inúteis.
O PLD tem teto e piso. O valor mínimo é próximo a R$ 16/MWh e o valor máximo próximo a R$ 600/MWh. Teve alguns anos que o valor máximo beirou 700 e não existia valor mínimo.
O PLD é definido semanalmente, no âmbito do CCEE – Câmara de Comercialização de Energia Elétrica em três patamares de carga (leve, média e pesada) e por região (S, SE, N, NE). Com a diminuição ou até mesmo possível término da restrição de transmissão entre regiões, há uma tendência do PLD ser igual para todas as regiões.
As tabelas a seguir mostram a evolução do PLD, por região. Os preços se referem ao válido para o último dia de cada mês, em carga pesada, e o de outubro vale até 17/10:
Fonte: Carlos M. (clique na figura para ampliá-la)
Entre dezembro de 2007 e fevereiro deste ano, o PLD foi para as alturas. Isso ocorreu com o atraso das chuvas e a falta de gás para gerar térmicas. Portanto a saída era deplecionar reservatórios.
Nem todas as geradoras têm suas energias vendidas em contratos para distribuidoras e consumidores livres. Caso gerem a energia assegurada ou acima dela, a parte excedente e a parte não vendida em contratos serão liquidadas ao preço PLD. O PLD vira um balizador de preço para essas energias sem contrato. Caso algum consumidor precise contratar no curto prazo essa energia, o PLD é a referência para essa transação.
Os contratos atuais variam entre R$ 70 e R$ 140 por MWh. Considerando que grandes projetos de geração só entrarão a partir de 2012 (Rio Madeira, caso não atrase), se São Pedro não colaborar, o gás não chegar e outros substitutos não aparecerem, o PLD atingirá valores elevados e o gerador que estiver com energia disponível (não vendida em contratos) poderá obter boas receitas.
Por outro, temos a questão da economia. O Brasil desacelerará com a crise e isso implicará em um menor crescimento da carga, pior condição de comercialização da energia não vendida em contrato para grandes consumidores ou até mesmo não vendendo, tendo de liquidar com PLD baixo.
Valores de PLD elevados (acima de R$ 150,00) por muitos meses seguidos podem ser um indicativo de problemas de abastecimento. Vejam que de setembro de 2007 a fevereiro de 2008, foi assim. Caso São Pedro não viesse, e com força, mesmo mais tardiamente que de costume, a luz amarela estaria acesa.
A situação neste ano parece melhor que a do ano passado.
Autor: Carlos M.
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Há 3 anos
2 comentários:
mestre KB:
o M do Carlos me lembrou de um coment seu, sôbre uns caras olharem gráficos de cabeça pra baixo, pois acabei de pregar coment no poste do Bob sôbre um W pôrrraí.
and now, about situação pluviométrica no norte goiano:
diga ao Carlos M:
1° que não se deixa um M "suspenso" assim, né? (rsrs).
2° que pelo menos lá prus lados do Penhaskim, o velho São Pedro, ainda não mijou nada... nem um pinguinho!
3° e por último que ficou joíssimo o comentário dele!!!
um bração 4 U 2.
Agradeço ao KB pela inclusão deste texto, neste espaço tão nobre e precioso e ao comentário do Águia.
Carlos Magno
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