Em um comentário anterior insisti que nós ingressamos em uma nova era, a da desalavancagem (deleverage) na principal economia do mundo que detém 30% do Pib mundial ou, simplesmente, a redução do endividamento onde ele está mais inchado, nas instituições financeiras e nas famílias.
Se esse processo for delegado exclusivamente ao mercado preparem-se, pois a crise irá entrar em sua casa, mesmo estando a milhares de quilômetros de distância. Se a mão do Estado se envolver no processo, as chances são muito boas de que a maioria saia viva dessa.
John Mauldin relatou na semana passada algo que eu já havia percebido nos fóruns financeiros nos EUA que é a presença de um forte sentimento de raiva e indignação entre os cidadãos contra as irresponsabilidades da banca. Esse sentimento não brotou nos últimos dias, é uma onda que emergiu há muito tempo, impulsionada pelos desatinos dos primeiro e segundo escalões das instituições do setor financeiro.
Os Average Joe com suas decisões estúpidas foram também atores nessa farra, mas o lado que pagou o pato.Deixemos isso de lado, o que importa é o sentimento que predomina no momento.
Na sua ignorância sobre assuntos financeiros, a opinião pública poderá dificultar as coisas no caso dos políticos se guiarem somente pelas ondas do momento. Por outro lado, será politicamente inviável um plano que não atenda a sede provocada por esse sentimento de raiva e indignação.
Dessa forma, a primeira condição para um bom plano é política, qual seja, a participação do Tesouro na forma de equity em todas as operações em que se envolver com uma instituição financeira. Sendo assim, aumentarão as chances de que os contribuintes terão parte dos recursos devolvidos, quiçá até com lucros. O plano não poderá se esgotar numa solução para a banca, pois terão que achar um paliativo para o Average Joe que se danou todo na lambança em que se meteu.
A segunda condição é técnica. Se o problema é a alavancagem nas instituições financeiras, a simples monetização (transformação de um ativo –ruim- em dinheiro), como era a proposta original do plano de Paulson (não li a versão final, ainda bem pois não perdi o meu tempo), poderá ter pouca eficácia conforme tem alertado Roubini e bem lembrou John Hussman. Nesse caso haveria apenas uma mudança contábil do lado esquerdo do balanço, sem atacar o problema que está do lado direito, ou seja, a razão (ratio) entre o endividamento (debt) e patrimônio líquido (equity).
O plano seria bom sob o aspecto técnico caso o ratio debt:equity se reduzisse até níveis aceitáveis. O Japão somente implementou um plano que atacasse esse problema em 1998, quando as condições políticas permitiram as autoridades injetarem uma enorme soma nos bancos em troca de ações preferenciais e títulos de crédito. Foram necessários mais de 7 anos para vencer a resistência política contra a intervenção do Estado, enquanto isso a atividade econômica se contraiu durante esse período.
Contudo há uma abissal diferença entre as situações dos japoneses e americanos. O Japão pôde se dar ao luxo de empurrar a solução com a barriga, pois contavam com uma expressiva poupança privada, mas não é esse o caso dos EUA, onde o consumidor se entregou a uma orgia de consumo nas últimas décadas. Nesse embroglio, todos têm culpa no cartório, mas se deram melhor os mais espertos.
Em algum momento a solução virá de uma combinação entre uma intervenção do Estado e uma solução natural de mercado, nesse caso sob o império das leis darwinianas. Quanto mais tempo demorar a solução, nem que não seja a ideal tecnicamente, maior será a dor e o número de cadáveres pelo caminho.
So what? Estamos aqui para ganhar dinheiro, ora bolas, e não para proselitismo político. Direto ao ponto, aqueles que se comportaram de maneira prudente, chegará a hora de tirar benefícios da barganha que atingirão os preços das ações. Será quando se poderá falar de uma estratégia de compre-e-segure (buy-and-hold), não da forma apregoada por muitos pastores caça-níqueis. Para tanto, a primeira regra que eu seguirei será a paciência, afinal o processo de redução do endividamento será longo.
Enquanto esse momento não chegar, haverá muitos pull backs aproveitáveis, porém todo o cuidado será pouco, como tem mostrado as últimas experiências onde as técnicas empregadas com sucesso no bull market que se foi, fracassaram redondamente nos últimos meses. Um misto de price action, sentimento, intermarket relationship e valuation formarão uma combinação que decerto ajudará a evitar as armadilhas no caminho até a hora da xepa. Como eu tenho sempre comentado nesse espaço, táticas opostas à dos retail investors terão chances enormes de sucesso.
Um parêntesis nessa discussão. Os retail investors, que jorraram nos últimos 12 meses quase R$ 20 bilhões (equivalentes a mais de U$ 10 bilhões) na bolsa via trading direto e aplicações em fundos mútuos (exclui fundos multimercado - hedge funds), não entraram ainda em pânico. Mas entrarão. Entenderam o recado, certo?
Retomando o fio da meada, no caso das ações da carteira do índice Bovespa, o retorno médio dos dividendos nos níveis atuais de preços é quase 6% aa (2,5% no caso da carteira do SPX), superior à renda média dos aluguéis, com a vantagem de que uma empresa, escolhida por critérios saudáveis, poderá dobrar de tamanho, enquanto um imóvel irá se depreciar.
Para quem, como eu, que julga o atual
ROE médio da carteira do Bovespa muito elevado (16,3% ponderado) e que, portanto, deverá retornar pelo menos em torno da média histórica (em 2002 atingiu cerca de 8% aa), em algum momento as ações poderão ser adquiridas a preços de barganha. Os retornos dos dividendos serão muito mais atrativos, sem contar os ganhos de capital que certamente virão para quem não cair na tentação por ganhos de curto prazo.
Esse nosso país tem muitos defeitos, o principal deles em termos econômicos, é um Estado gigantesco (apoiado por uma parcela da população que ingenuamente acredita que o almoço é de graça), responsável pela baixa produtividade de nossa economia, que joga nas costas de um zeloso banco central, cooptado que sempre foi pela banca, a tarefa de controlar a inflação produzida pela farra com o dinheiro meu e seu, com uma enorme ênfase nos juros.
Porém tem umas coisas em nosso país que me anima e que se vê em poucos lugares que são as riquezas naturais, uma base industrial que nem o populismo cambial destruiu, a receptividade por novos valores culturais (aposto que o português falado no Brasil será incompreensível para os lusitanos daqui uns 50 anos), a ausência de conflitos étnicos, de xenofobia e uma flexibilidade e jogo de cintura que se traduz em um empresário muito especial.
Se as inevitáveis quedas das cotações do petróleo não inviabilizarem a exploração do pré-sal, cujo breakeven é sabidamente elevado, finalmente poderemos, não obstante o peso do Estado, pular para um novo patamar em termos de investimentos, a principal mola para um crescimento sustentável. Nas últimas décadas os investimentos mal ultrapassaram a casa dos 20% do Pib e com o pré-sal poderemos atingir níveis asiáticos.
Contudo, como o império da lei em nosso país não é muito forte, as salvaguardas institucionais dos acionistas minoritários são pequenas, eu recomendaria que a escolha de papéis se resumisse a um estreito universo de grandes empresas que detenham um market share dominante e históricos imaculados na relação com seus acionistas.